A legislação proíbe
gestores de distribuírem bens, valores e benefícios em ano de eleição, exceto
em situação de calamidade pública ou estado de emergência. MP diz que está de
olho em eventuais desvios de finalidade
Diante
da crise na Saúde provocada pelo coronavírus, prefeitos cearenses estão
preocupados em implementar ações e programas sociais que possam ser enquadrados
na lista de condutas proibidas aos gestores em ano de eleição. Uma recomendação
enviada pelo Ministério Público Eleitoral aos promotores tem causado polêmica,
mas o órgão esclarece que ações das prefeituras são permitidas em caso de
calamidade pública ou emergência, desde que não tenham fins eleitorais. A
situação provoca efeitos políticos entre os prefeitos, muitos dos quais
pré-candidatos à reeleição.
Como
tem eleição municipal marcada para outubro deste ano, desde o dia 1º de janeiro
os agentes públicos estão proibidos de praticarem uma série de condutas,
previstas na Lei das Eleições, com o objetivo de garantir "igualdade de
oportunidades" entre os candidatos.
Entre
as principais condutas vedadas a gestores públicos está distribuir, gratuitamente,
bens, valores ou benefícios. No entanto, a legislação coloca que essa proibição
não vale em casos de calamidade pública, estado de emergência ou de programas
sociais criados e executados pelas gestões municipais desde o ano anterior à
eleição.
Apesar
de o Ceará estar sob estado de emergência em saúde e, portanto, a lei permitir
que benefícios sejam distribuídos à população, prefeitos estão com receio de
implementarem ações e serem acusados de abuso de poder econômico e político,
colocando em risco futuras candidaturas.
O
ponto que mais gera dúvida entre os gestores é justamente a criação de
programas sociais voltados a pessoas em situação de vulnerabilidade social
diante dessa crise, porque a legislação só autorizaria aqueles que estivessem
em execução desde 2019.
A
Prefeitura de São Gonçalo do Amarante, na Região Metropolitana de Fortaleza,
por exemplo, anunciou que vai distribuir, a partir do próximo mês de abril, um
auxílio de R$ 200 para autônomos de baixa renda comprarem alimentos no comércio
local.
Saídas
Para
isso, o município vai criar o "Cartão de Proteção Social Mais", que
deve beneficiar 500 famílias. Além disso, outros gestores temem ser ilegal a
distribuição de kits de merenda escolar e de cestas básicas. Alguns prefeitos
já comentam nos bastidores que, nessas circunstâncias, não pretendem participar
das eleições. Pelo menos 140 dos 184 prefeitos cearenses devem disputar a
reeleição em 2020.
O
presidente da Associação dos Municípios do Estado (Aprece), Nilson Diniz,
prefeito de Cedro, diz que tem sido questionado por outros gestores municipais
sobre quais condutas devem adotar nesse momento de crise na área de Assistência
Social. Diniz afirma que tem orientado os prefeitos a esperarem definição mais
clara das repercussões eleitorais das ações.
"A
pressão está grande por cesta básica. Você fazer doação, hoje, é vedado aos
prefeitos. Como vai fazer agora? Por que pode ser caracterizada como abuso de
poder político, então precisamos ter a legalização desses atos, porque isso
pode incorrer em erros para o prefeito e criar uma inviabilidade de que seja
candidato no futuro", frisa.
A
entrega de kits de merenda escolar aos alunos da rede pública, por conta da
suspensão das aulas, causa apreensão. Nilson Diniz afirma que está buscando
orientações junto ao Ministério Público, ao Tribunal de Contas do Estado (TCE)
e ao Tribunal de Justiça do Estado (TJCE) para tentar acalmar os prefeitos.
Ele
enviou ofício ao TCE fazendo uma consulta sobre a distribuição de merenda
escolar: se as prefeituras podem continuar com a ação enquanto as aulas
permanecerem suspensas e como vão fazer caso falte alimentação na volta das
atividades escolares.
Sobre
a consulta da Aprece, o TCE respondeu, por meio de nota, que a legislação
eleitoral veda a concessão de benefícios por parte dos agentes públicos. O
Tribunal disse ainda que, como membro do Comitê Estadual de Enfrentamento à
Pandemia, levará as discussões que possam repercutir nas contas públicas.
O
presidente da Aprece também aguarda decisão do governador Camilo Santana (PT)
de prorrogar ou não o decreto - previsto para encerrar amanhã (29) - que
determina o fechamento de estabelecimentos comerciais e a suspensão das aulas
nas escolas públicas do Estado.
"Se
o governador decidir manter esse status, precisamos discutir propostas para
ajudar as pessoas mais carentes. Ao invés de comprar cestas básicas ou dar
dinheiro, talvez seja melhor pegar o cadastro das pessoas do município e
através de recurso público fazer um aporte de "X" reais por família,
e aí vamos precisar ter anuência dos órgãos de controle", pede.
Controle
O
coordenador do Centro de Apoio Operacional Eleitoral (Caopel) do Ministério
Público Estadual, o promotor de Justiça Emmanuel Girão, esclarece que a
legislação permite aos agentes públicos distribuírem bens, valores e benefícios
à população quando a situação é de calamidade pública como a que o País está
vivendo. "O MP não quer que a população mais carente sofra privações por causa
dessa situação".
Por
outro lado, ele diz que, nesses casos de exceção, a lei determina que o órgão
acompanhe a execução das ações para verificar se os agentes públicos estão
adotando critérios "objetivos" e "impessoais", "sem
finalidade eleitoreira" de favorecer um candidato. Essa fiscalização é
feita pelos promotores eleitorais. "A finalidade tem que ser ajudar quem
está precisando. Não pode fazer uso promocional dessas ações, ter desvio de
finalidade. Por exemplo: o prefeito pega o salário e distribui para pessoas
carentes, dando a entender que é uma pessoa caridosa. Indiretamente, está
promovendo a imagem de candidato. Quem quiser fazer caridade, faça
sigilosamente", aconselha.
O
promotor alerta ainda que a concessão de benefícios não pode ser feita por meio
de entidades ligadas a candidatos. "ONGs, fundações, organizações sociais
de interesse público, porque existem candidatos que criam fundações, fazem
convênios e ficam recebendo dinheiro para isso. Infelizmente, tem gente que se
aproveita desses momentos para fins políticos".
Recomendação
Segundo
Emmanuel Girão, o MP Eleitoral enviou, na última quinta-feira (26), uma
recomendação aos promotores eleitorais sobre como proceder nessas situações. O
documento chegou ao conhecimento dos prefeitos e tem causado polêmica. A chefe
do órgão no Ceará, procuradora-regional eleitoral Lívia Sousa, no entanto, pede
cautela aos gestores e orienta que as ações sejam comunicadas aos promotores
das zonas eleitorais.
"A
ideia é que o prefeito comunique ao promotor eleitoral da sua zona, explicando,
preferencialmente, por forma escrita, se for possível, para que o Ministério
Público Eleitoral possa fazer um acompanhamento da execução desses programas,
de forma que não prejudiquemos nossas eleições", detalha.
Por
conta do isolamento social, a procuradora reforça que os promotores seguem
trabalhando de forma remota e os gestores podem entrar em contato com o órgão
por meio eletrônico, assim como a população, para, inclusive, denunciar
irregularidades.
Condutas
vedadas aos prefeitos
Benefícios
Distribuição
gratuita de bens, valores ou benefícios, por parte da administração pública,
exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas
sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária desde o exercício
anterior.
Sem
vínculos
Os
programas sociais não poderão ser executados por entidade nominalmente
vinculada a candidato ou por esse mantida.
Despesas
Realizar
despesas com publicidade dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais,
ou das respectivas entidades da administração indireta, que excedam a média dos
gastos no primeiro semestre dos 3 (três) últimos anos que antecedem o pleito.
Promoção
Fazer
ou permitir uso promocional em favor de candidato, partido ou coligação, de
distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeados ou
subvencionados pelo poder público.
+
Prestação
de Contas
O
Tribunal de Contas do Estado (TCE) adiou o envio das Prestações de contas e
relatórios à Corte por parte dos órgãos e entidades jurisdicionais. O Governo
do Estado e as Prefeituras, por exemplo, terão mais 60 dias para encaminhar o
Relatório Resumido de Execução Orçamentária (RREO).
Outros
prazos
Prefeitos,
presidentes das Câmaras Municipais e Responsáveis pelos órgãos da Administração
municipal indireta também terão mais 60 dias para enviar as prestações de
contas dos recursos recebidos e Arrecadados. Também foi adiada por 90 dias a
entrega da prestação de contas anuais de 2019 dos Governos estadual e
municipal.
Por Letícia
Lima, leticia.lima@svm.com.br 23:00
/ 27 de Março de 2020
Diário do Nordeste
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